
José Eduardo Agualusa
Articles
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Apr 26, 2024 |
visao.pt | José Eduardo Agualusa
Começou com um som de pedras rolando, muito ao longe. Julian não tomou imediata consciência do ruído. Estendido na areia, de olhos fechados, deslizava de um pensamento para o outro. Era bom estar ali, debaixo do sol, e quase sem corpo, ou quase parte de um corpo maior. “Sou esta praia”, pensou. Agradava-lhe a ideia de ser uma praia. Queria ser uma praia a tempo inteiro. Voltou a escutar o surdo fragor de pedras rolando. Agora mais próximo. Julian imaginou as pedras.
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Mar 28, 2024 |
visao.pt | José Eduardo Agualusa
Na televisão destacava-se a figura flamejante de Donald Trump, dirigindo-se a uma multidão de seguidores, todos eles com a cabeça coberta por bonés vermelhos, nos quais se podia ler a frase “Make America Great Again”. ‒ Há línguas entrando no nosso país! ‒ alertava Trump, agitando no ar as delicadas mãozinhas de veludo. ‒ E não temos um único especialista, em toda a nossa poderosa nação, que possa falar essas línguas.
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Mar 1, 2024 |
visao.pt | José Eduardo Agualusa
Lázaro Staub adormeceu ao volante do seu carro, numa autoestrada, e quando voltou a abrir os olhos estava no Inferno. Soube logo que estava no Inferno, embora o cenário fosse o seu escritório, num dos edifícios mais altos da capital. Contudo, havia o cheiro, uma mistura a âmbar, a sândalo e a almíscar, como o perfume preferido de Isadora, a sua ex-mulher.
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Feb 2, 2024 |
visao.pt | José Eduardo Agualusa
Era uma manhã húmida e fresca. Chovera. Há semanas que chovia todas as noites. Um furor verde avançava, ameaçando engolir a estrada. Em criança, eu tinha medo da cor verde. Ainda tenho, mas agora disfarço melhor. A dendrofobia ‒ o medo de árvores ‒ é uma patologia impopular. Menos popular, creio, só a ailurofobia. Vi um homem transportando um grosso tronco numa bicicleta. Outro, levando um cabrito ao colo, enquanto pedalava furiosamente.
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Jan 5, 2024 |
visao.pt | José Eduardo Agualusa
Luanda, primeiros dias de janeiro de 1907. Zulmira Miranda visita um dos mercados mais populares da cidade. Na época, a capital de Angola era ainda uma pequena povoação, constituída por meia dúzia de belos palacetes coloniais, igrejas, armazéns, casas comerciais, quintalões, musseques, e, vigiando toda essa sossegada paisagem urbana, a Fortaleza de São Miguel. A determinada altura, um dos feirantes, vendedor de ervas e raízes, aproxima-se de Zulmira.
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